28 de dezembro de 2013

A NOSSA CIDADE


Antigamente a nossa cidade tinha bairros. Com nomes próprios e apelidos. Com vizinhos sentados à porta nas madrugadas de verão. E crianças soltas, livres, a brincar por todo o lado. As bolas rolavam pela calçada, deixando, por vezes, marcas axadrezadas nas paredes caiadas. Bastavam dois pares de pedras para limitar as balizas. E o campo era o largo maior da imaginação. Sem limites. Pelo menos enquanto houvesse espaço para uma finta. E durava horas e horas. Porque a cidade não matava o tempo.

Antigamente os carros não subiam aos passeios. E nas ruas apertadas ao centro ecoavam vozes unidas em “modas” e cantigas. Uma “Ronda” de amigos que percorria os cafés e as tabernas, fortalecendo nas almas a frescura da liberdade. Que erguiam no cante a esperança de um país melhor. De uma cidade melhor. Mas sempre solidária e viva. Uma cidade sinónima de comunidade.

Aos poucos as vozes silenciaram-se. A esperança deu lugar à inquietação. As crianças perderam-se das ruas. As bolas quietas esvaziaram-se nos vãos das escadas. A liberdade foi retrocedendo nos espíritos. E a cidade é agora um antónimo da comunidade.

E para que se entenda a rapidez da mudança esse antigamente não é assim tão longínquo. Mudou a cidade. Mudamos nós. Uns partiram. Outros chegaram. E isso seria o bastante para alterar o rumo. Alargar as ruas ao centro, num vazio amargo de pessoas. De vida. Num crescente de casas vagadas. Em aluimentos sofridos.

Trocamos o vinho a copo pela garrafa espirituosa. Preferimos o frenesim à conversa. E permitimos o engano das promessas vãs. Tudo mudou. Mudou a cidade porque mudámos. Porque perdemos a esperança. Porque deixamos cair a liberdade de exigir. De sonhar. Olhamos agora num círculo restrito e pessoal. No espaço limitado de um metro quadrado: sem largos nem praças, sem ruas nem casas. Sem horizonte onde refrescar o olhar.

O arrependimento vai tomando conta de nós. Aos poucos. Na forma abstracta da nostalgia. Que é como os homens se arrependem em silêncio, mas com um sorriso no rosto. Arrepender não é querer, necessariamente, voltar atrás. É simplesmente reconhecer o erro. A perda. Admitir o caminho errado. Sentir a amargura da desesperança. A descrença. O vazio.

E arrepender não é, obrigatoriamente, um caso de tristeza. Nem de resignação. Pelo contrário. Pode ser um recomeço. Deve ser um reencontro com o sonho. O despertar da esperança. O regresso da comunidade à cidade. A força de uma vontade comum. De uma identidade que une os cidadãos à cidade. E a cidade precisa disso. Precisa de horizonte. De pessoas. Precisa de futuro. Precisa de nós, outra vez!

2 comentários:

  1. Enquanto as estidades oficiais que têm obrigação de ajudar e não fechar as portas aos carolas que andam nas várias associações onde se desenvolve o espirito bairrista, e optarem por outras prioridades duvidosas, dificilmente se conseguem jovens com vontade de ajudar o seu semelhante, e outras vontades de entreajuda. antonio zé

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