Antigamente a nossa cidade tinha
bairros. Com nomes próprios e apelidos. Com vizinhos sentados à porta nas
madrugadas de verão. E crianças soltas, livres, a brincar por todo o lado. As
bolas rolavam pela calçada, deixando, por vezes, marcas axadrezadas nas paredes
caiadas. Bastavam dois pares de pedras para limitar as balizas. E o campo era o
largo maior da imaginação. Sem limites. Pelo menos enquanto houvesse espaço
para uma finta. E durava horas e horas. Porque a cidade não matava o tempo.
Antigamente os carros não subiam
aos passeios. E nas ruas apertadas ao centro ecoavam vozes unidas em “modas” e
cantigas. Uma “Ronda” de amigos que percorria os cafés e as tabernas, fortalecendo
nas almas a frescura da liberdade. Que erguiam no cante a esperança de um país
melhor. De uma cidade melhor. Mas sempre solidária e viva. Uma cidade sinónima
de comunidade.
Aos poucos as vozes
silenciaram-se. A esperança deu lugar à inquietação. As crianças perderam-se
das ruas. As bolas quietas esvaziaram-se nos vãos das escadas. A liberdade foi
retrocedendo nos espíritos. E a cidade é agora um antónimo da comunidade.
E para que se entenda a rapidez da
mudança esse antigamente não é assim tão longínquo. Mudou a cidade. Mudamos nós.
Uns partiram. Outros chegaram. E isso seria o bastante para alterar o rumo. Alargar
as ruas ao centro, num vazio amargo de pessoas. De vida. Num crescente de casas
vagadas. Em aluimentos sofridos.
Trocamos o vinho a copo pela
garrafa espirituosa. Preferimos o frenesim à conversa. E permitimos o engano das
promessas vãs. Tudo mudou. Mudou a cidade porque mudámos. Porque perdemos a
esperança. Porque deixamos cair a liberdade de exigir. De sonhar. Olhamos agora
num círculo restrito e pessoal. No espaço limitado de um metro quadrado: sem largos
nem praças, sem ruas nem casas. Sem horizonte onde refrescar o olhar.
O arrependimento vai tomando
conta de nós. Aos poucos. Na forma abstracta da nostalgia. Que é como os homens
se arrependem em silêncio, mas com um sorriso no rosto. Arrepender não é
querer, necessariamente, voltar atrás. É simplesmente reconhecer o erro. A perda.
Admitir o caminho errado. Sentir a amargura da desesperança. A descrença. O vazio.
E arrepender não é,
obrigatoriamente, um caso de tristeza. Nem de resignação. Pelo contrário. Pode ser
um recomeço. Deve ser um reencontro com o sonho. O despertar da esperança. O regresso
da comunidade à cidade. A força de uma vontade comum. De uma identidade que une
os cidadãos à cidade. E a cidade precisa disso. Precisa de horizonte. De pessoas.
Precisa de futuro. Precisa de nós, outra vez!
Levei para a Praça.
ResponderEliminarEnquanto as estidades oficiais que têm obrigação de ajudar e não fechar as portas aos carolas que andam nas várias associações onde se desenvolve o espirito bairrista, e optarem por outras prioridades duvidosas, dificilmente se conseguem jovens com vontade de ajudar o seu semelhante, e outras vontades de entreajuda. antonio zé
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