A realidade muitas vezes
escondida e outras tantas vezes ignorada surpreende. Pela crueldade. Pela brutalidade.
Pela selvajaria. Pela desumanidade…
A forma como nos tratamos uns aos
outros é uma responsabilidade comum. Como é um dever saber cuidar uns dos
outros.
E numa sociedade que tem valores e se baseia em princípios morais
sérios, como o respeito e a solidariedade, cumprir essas responsabilidades e
deveres seria um acto normal. Quase imperceptível. Um acto puro da mais pura
cidadania.
Mas não é o que acontece, como expõe
amargamente a reportagem da SIC “Este País Não É para Velhos”. Falhamos sistematicamente
na nossa cidadania. E falhamos mais ainda como sociedade quando é no seio das famílias
que os abusos ocorrem. Violentos como o segredo que os abafa. É assim com os
mais velhos. Mas também com as crianças. E ainda, fatalmente, com a violência
doméstica.
Não há palavras suficientes para
adjectivar o retrato que esta reportagem faz do sofrimento. Mais que físico, e
muitas vezes o é, é um sofrimento com dor calada, com a amargura de uma frustração
inimaginável nos corações dos pais e dos avós que são roubados, espoliados das
suas liberdades e dignidades. Um falhanço terrível a que não podemos ser
indiferentes. Já basta a impotência dos milhares e milhares de idosos que
preferem a dor e a morte certa à denúncia do seu próprio sangue.
E em tudo isto devemos reflectir
como gente madura. Não há onde individualizar a culpa. Se é verdade que em
quase tudo o que nos rodeia é fácil culpabilizar o governo (este ou os do
passado e do futuro), a verdade é que não bastam os poderes governativo ou
legislativo.
Infelizmente a maior
responsabilidade está numa sociedade que se perde de si própria. Que se
contradiz nos sinónimos. Que se destrói numa galopante perda de valores e de
princípios. Onde a estrear, o valor da família e da vizinhança esmorece como
uma tulipa na noite. A obrigação é nossa. De cada um de nós.
É nosso o dever de combater esta
mentalidade egocêntrica, que apenas individualiza vontades e ambições, desrespeitando
quem cuidou de nós. E quem, apesar do sofrimento, se silencia na escuridão de
uma casa, de mãos e pernas atadas.
Portugal só continuará a ser o país
esquizofrénico em que se está a transformar se essa for a nossa escolha. E valerá
a pena escolher continuar assim?